quinta-feira, maio 31, 2007

olhar


Na retina dos meus olhos

Retenho seu último olhar

De olhos etéreos e infindos

Da cor doce do mar


Onde vi o meu sonho

Tomar um barco a vagar

E de brusco ser tragado

Pro fundo do seu olhar


Que ainda detenho

Mas que está fugindo aos poucos

E sei que não mais terei

Esses olhos de gozo


De brilho morno da lua

Que espalha seu calor

Nos becos sujos da rua

Onde olhares sombrios


São o que agora detenho

Já que não mais tenho

Os seus na retina dos meus olhos

Que hoje são poças d’água


E nada mais tenho a reter

Já que, desesperadamente deixei fugir

O que de único restou de você:

Seu olhar.


21/12/1985

NOITE

Noite fria, sombria.
Nos bares
Só gente triste, esquecida.
Nos becos
Mistérios escondidos, barulho de gato.
Nos guetos
Corpos vendidos, perfume barato.
Nos quartos
Suspiram amantes, corpos colados.
Na praça
Beijos ardentes, abraços cálidos.
Na escuridão
Criaturas aladas valam o sono da virgem.
Nas sarjetas

Corpos deitados descansam com fome.
Na rua
A última nota de um violão paira no ar
Saudando sua musa
A fria e esquecida noite.

08/08/1985

ENIGMA-tico

Sou o fim do que não vejo
O último instante do eterno
Do que existe sou o inverso
Um relativo instante etéreo.
O ponto final do poema inacabado
Um lado do outro lado.
O preto no branco,
Um sonho nunca sonhado.
Uma visão nunca vista.
A música que não compus
A nota que não ouvi
O dia que ao chegou,
E o sol que não brilhou.
Sou o que jamais se verá.
Sou o nada e o tudo,
E o dia de escuro
Onde tomarei o que é meu,
E dirás que sou Deus.

05/08/1985

o poder da flor


Os sonhos foram tantos,

Que terminaram todos loucos

E os loucos são tantos,

Que já não cabem nas casas

E as casas

Já não cabem no mundo

E são tantos os mundos

Que não sobra nada

E a ilusão é tanta

Que os sonhos são reais

Que os loucos não são mais,

Que o mundo não parou.


17/08/88

na sala - com DALI


O relógio da sala, há tempos,
Adormeceu, não sôa as horas.
O relógio que derreteu
Sob o calor da véspera, da espera,
Parou de viver o tempo
Em qualquer movimento
Que deixaram de fazer, para acorda-lo.
Agora o pêndulo jaz na sua tumba,
Dissolvido.
O relógio das horas
Parou de marcar os movimentos
Que pertencem ao futuro.
Mas o tempo continua a passar
E os momentos a se perderem
Na sala.

08/03/1989

CiOs

Periga haver perigo
Na noite dos cães vadios
E corro o perigo
Do cio dos desesperados
Do pranto dos mal-amados
Dos contos mal-assombrados...
Nos contos da carochinha,
Correm perigo
As crianças prontas pra dormir
E correm o risco
De serem comidas pelo lobo mau...
Mas, enquanto seu lobo não vem,
O pai perambula
Na noite dos cães no cio
E a mãe cochila, vendendo riscos
Num lugar onde mal-amados
Cantam em 78 rotações.

26/03/1989

quarta-feira, maio 30, 2007

CAFÉ DORMIDO


Eu sei que isso não é lá grande coisa

Mas já é o começo pra se fazer algum jogo

E nada é mais quente que a espera do amanhã

Que a chegada do amado, que a noite de sábado

E nada é mais amargo que o sabor de adeus nos lábios

Que as lágrimas embotadas, que uma aventura acabada

E nada é mais frio que o café de ontem

Que o pão adormecido que comi, que aquele ex-amor que revi

Nada é mais chato que uma noite de sábado sem sair

E os enlatados da TV, que tenho de engolir

Que o telefone te chamar, e você não ouvir

Nada é pior que não ter por quem esperar

Com um sorriso nos lábios

E ter que engolir esse café amargo.


05/05/1989

A POESIA PERFEITA


Queria fazer uma poesia

Não identificada, não decifrada

Em códigos, em hieróglifos, em gritos

E nela absorver

A lua, o sol, o céu

O vôo do pássaro, a cor do mar...

Ser tudo, infinito, absoluto

Ter tudo, enfim

Ser um sem-fim de coisas...

Mas o grito é identificado

E facilmente de mim, eu me desfaço

Sou o imperfeito, o acaso

Quero coisas que jamais

A mim virão:

A cor, o som, a perfeição.

Coisas todas sem sentido

Ser um fim, ou o início

Mas tudo enfim,

Termina por ter fim.


04/01/1989

PANFLETO QUASE MANIFESTO


- Sou realista e peço o impossível

Improváveis acontecimentos, hipotéticos momentos

Que não mais me repreendam

Que não mais enfeitem de amarras

A minha frugal liberdade

Que continua a pedir passagem

Em frente ao muro das possibilidades

Que acabam de vez com os analistas do meu não-ser

Que calem os discursos que calam e castram a voz livre

Tiram-me o prazo do gozo profundo

Entalando na garganta o grito prazeroso.


- Sou realista e sairei panfletando

E pichando os muros imorais, podres de mofo e de limbo

E decapitarei os cabeças sãs e os tantos opressores, repressores

Professores de criancinhas indefesas e preparadas para o não-sentir.

Destruirei cercas, interfones, ante-salas

E os halls do quase-segredo, do degredo

Do desagrado que me faz suportar o soutien

Dos que me preparam feito comida para o bicho-papão....

Ideologias, apologias, id’s, aids, mundo sem saída

Beco sem saída nessa pouca poesia

Mesclam o que resta de mim.


01/08/1990

EU


Era uma vez, no meio da vida,
Uma gralha perdida.
Querendo ser o que sonhava
E quase morta de cansaço
De procurar o que não via,
Caiu no vazio e sonhou
Ser uma gaivota bêbada
De horizontes infindos.
Embriagou-se com paisagens
Verdes, campos lindos
E teve uma vertigem
Mergulhou no escuro,
E não voltou
Desse último vôo.
Continuou a buscar
E num suspiro arrojado,
Quis ter o vôo das águias
Acreditou que galgava os céus,
Sobrevoou os sete mares,
Desvendou o segredo das alturas
Voou até a mais alta montanha
E no cume altivo, sereno,
Julgou ser superior.
Mas, coitada...!
Descobriu que era só
Mais uma gralha a menos.
Tarde demais:
Tomou um porre de alísios,
E morreu no mar.

24/07/1987

Profile...

Eu acho que nasci no lugar errado e na época errada. Um lugar desértico, inóspito, onde só as os bodes e cabras sobrevivem bem (Taperoá-Paraíba). Quiçá tivesse sido num lugar frio, com montanhas ao fundo e uma imensidão de mar a perder de vista. Fazer o quê? Mas agora amo esse nordeste mais do que qualquer outro lugar – até porque só conheço esses lugares daqui... Quanto à época, nada mais nonsense, seca de 1970, todos morrendo de fome – inclusive eu. Sem falar nos costumes e preconceitos... E nasci misturada – nas minhas veias corre sangue de português e negro – dizem que também de holandês e índio. Talvez seja essa a causa do meu interesse por tudo e da incerteza sobre tudo também. Talvez por não acreditar muito no ser humano, resolvi: não vou colocar mais alguns neste mundo (muitos dizem que isso é desculpa ou covardia, talvez). Ainda assim, acredito no amor, desde que seja múltiplo, plural amor, mesmo que seja feito também de egoísmo e solidão e promiscuidade – mas não deixará de ser amor, esse sentimento que arrebata a todos.Eu não vejo as crenças com bons olhos. Mas reconheço que a religião é indispensável para a sociedade – senão o que domaria o ódio homem x homem? Apesar de duvidar do que os padres e pastores e senhores dizem acerca da criação, do pecado (ah, o pecado!) e de tudo o mais, acredito que existe algo lá fora. Mas não me venham com explicações. Ninguém consegue explicar o que não compreende!Visão política? Mein Gott! Quando me lembro da febre socialista que tive, e que passou quando levei uma tijolada diretamente do Muro de Berlim... Mas a porrada foi pior, muito pior, quando escorreguei na lama petista (droga, até pra roubar tem que ter estilo!). Hoje, resolvi ser pragmática quanto à esta questão também. Ah, sou meio bicho-grilo. Detesto multidões, e as metrópoles me sufocam (Campina Grande está de bom tamanho). E às favas as boas almas que me dizem “você tá se perdendo nesse interior”. Será? Um dia saberei, só não quero enfrentar, jamais, os engarrafamentos, a hora do rush, a violência, e esse consumismo desenfreado das grandes metrópoles, porque não venha me dizer que, tirando as efervescências culturais (algumas delas), o que sobra na sopa cosmopolita é o supérfluo, o fluído, o sem tempo... Isso tudo se dá porque sou chata mesmo. Falo muito, mas tento escutar e ser um pouco mais diplomática. Estilo? Você só pode está brincando! Alguém já viu, nessa ditadura hollywoodiana da beleza, gordo ter estilo? No máximo, fico hiperfeliz quando uma roupa cai bem – e cair bem é disfarçar os muitos quilos a mais que todos vêem e que eu teimo em não notar. É por isso que abomino regimes de qualquer tipo e me empaturro com tudo aquilo que faz a alegria da alma e a desgraça do fígado, coração, pâncreas, rim, estômago... Mas sinto que estou tomando juízo, porque estou fumando pouquíssimo e não estou me permitindo ficar tonta... As minhas paixões... São muitas. Especialmente gente (algumas pessoas), bichos, livros, música...Escolas... Já participei de tantas, acho que meu hobby, na verdade, foi sempre estudar, por isso ainda estou aqui, engatinhando numa profissão. Deixa eu ver: comecei e logo abandonei História (apesar de continuar sendo uma grande paixão), quase terminei Ciências Sociais. Aí terminei Comunicação Social, mas não gostei nada do que eu vi ou deixei de ver – não me adaptei. Por fim, resolvi radicalizar e fui fazer Direito – e não é que me identifiquei? Agora já sou advogada, graças-a-Deus – e a OAB... Ah, tenho uma especialização que ainda não descobri pra que serve – Comunicação Educacional. Enfim, criei esse blog para poetisar, tergiversar, digressionar, enfim, jogar conversa fora... E claro, bem acompanhada!