domingo, setembro 30, 2007

OUTSIDER: QUEM NÃO SE ENQUADRA

A figura do outsider. Do cara que não se enquadra. Do sujeito que não faz questão de pertencer a nenhuma turma. O cara que no colégio sentava na última carteira, não falava com ninguém e ia embora sozinho. Havia algo de muito maneiro em figuras desse naipe.

Numa sociedade onde qualquer babaca quer virar celebridade, a figura do "ninguém" sempre me pareceu o melhor modelo de vida. E aqui não vai nenhuma pretensão estilosa do tipo "é legal ser diferente". Porra nenhuma. O que eu penso é que simplesmente "ninguém precisa ser igual".

Cada pessoa devia andar por aí rezando pela própria Bíblia, ou seja, fazendo suas próprias leis e fazendo uso de seu livre arbítrio. Mas não é o que tem acontecido.

Assisto sem nenhum entusiasmo e com bastante perplexidade aqueles filmes americanos de turmas de universidade com aquelas indefectíveis fraternidades onde o cara passa por uma coleção inimaginável de humilhações apenas com o inacreditável intuito de ser aceito em uma fraternidade de babacas. Não é muito diferente das merdas dos trotes universitários brasileiros. Babaca não respeita geografia.

Fico imaginando o que leva uma pessoa a essa necessidade doentia de ser aceito. E com o tempo me parece que em busca de aceitação as pessoas têm se padronizado de maneira assustadora e alarmante.

Hoje em dia a rapaziada usa piercing, tatuagem (não que eu tenha exatamente nada contra o uso de piercings ou tatuagens, mas é que parece que grande parte da molecada começa a usar apenas numas de copiar outra pessoa e aí é esquisito), o mesmo corte de cabelo, gosta das mesmas músicas e das mesmas roupas e emprega as mesmas expressões ("Galera", "é dez", "é show", "baladinha" e outras que eu não consigo sequer repetir aqui sem ter o meu estômago revirado) e aí ele se sente parte de alguma coisa, é compreendido e aceito e não vira motivo de zombaria entre os demais, justamente por não ser diferente.

Então o que acontece é muito simples. Se o sujeito tá num grupo onde o lance é odiar alguém, seja quem for, pode ser negro, viado, gordo, mulher ou o Mico-Leão Dourado, então o cara vai passar a odiar, ele nem sabe o motivo, é que a turma odeia e ponto. E se a turma pinta o cabelo de azul, então o panaca pinta também. E se a turma acha que é legal praticar artes marciais pra sair dando porrada em desavisados noturnos, então o cara automaticamente se inscreve numa academia e sai de lá o mó Steven Seagal.

E acha legal sair de carro com uma piranha oxigenada (esses caras sempre andam com piranhas descerebradas que são apreciadoras de bravatas intimidatórias) e provocar o primeiro sujeito pacífico que eles cruzarem pela frente. E vai ser providencial se eles pegarem pela frente um carinha com um livro do Kafka no ponto de ônibus. Esses caras nutrem um profundo ódio por qualquer sujeito que consiga articular mais que duas frases inteligíveis. E as suas piranhas são as primeiras a aplaudir o massacre.

Não tô aqui querendo de maneira nenhuma desmerecer o trabalho de alguns professores de artes marciais que sei o quanto são sérios e dignos. Mas é que sem a devida orientação eles estão criando um exército de babacas extremamente perigosos.

E é claro que a mídia e a publicidade incentivam irresponsávelmente esse estilo de vida. Elas querem todo mundo comprando e consumindo as mesmas coisas, coisas essas que eles fabricam em larga escala para atender a demanda desenfreada.

Numa novelinha como Malhação, só pra citar um exemplo bastante óbvio, a impressão que fica é que o roteirista escreveu um monólogo e depois distribuiu as falas entre vários personagens. Não há diferenciação de personalidade. Todos falam as mesmas coisas, do mesmo jeito e usando as mesmas expressões. Em resumo: fique igual e permaneça legal.

Há um processo de idiotização total e irrestrita avançando a passos largos. E essa busca pela padronização e no conseqüente status mediano (estou sendo generoso com esse "mediano") que as pessoas têm alcançado ganhou por esses dias duas novas forças de responsa.

A MTV “onde é que estão os clipes, porra?” estreou dois programas que são verdadeiras aberrações. O primeiro deles é o tal Missão MTV onde a Modelo Fernanda Tavares totalmente destituída de qualquer coisa que possa ser chamada de carisma, apesar de bonitinha (é o mínimo que se pode esperar de uma modelo) é chamada para padronizar qualquer sujeito que não esteja seguindo as regrinhas do que eles chamam de "bom gosto". Então se uma garota não fizer o gênero patricinha afetada, então ela automaticamente está out e a missão da Fernanda é introduzir a "rebelde" ao mundo dos iguais.

E dá-lhe o que eles chamam de "banho de loja". Se o cara usa roupas largas e o cabelo sem uma preocupação fashion e ainda se diz roqueiro, então eles transformam o coitado num metrosexual glitter afetado e por aí vai. Parece que a mulher vai dar um jeito no quarto de um sujeito. Ela diz que tá tudo errado no quarto do cara. Como assim? É o quarto dele, porra. Enfim, é proibido ter estilo. Quem não se enquadra, sai de cena. Em resumo, um programa vergonhoso.

Mas o pior ainda é o outro: O inacreditável e assustador Famous Face. Sacaram qual é a desse? Uma maluca encasqueta que quer ficar parecida com a Jeniffer Lopez ou com a Britney Spears e tal estultice é incentivada. Em resumo, a transformação é filmada e testemunhamos a verdadeira frankesteinização sofrida pela pobre iludida. Ela se submete à operação plástica, lipoaspiração e o caralho. Chega a ser nojento. Eu não entendo qual é a de um programa como esse. Será que a indústria da cirurgia plástica tá precisando de uma forcinha? Eu duvido. Nunca vi se falar tanto em botox, silicone, lipo e outras merdas. Todo mundo tentando evitar o inevitável. Todo mundo querendo retardar o tempo incontrastável. Vivemos cada vez mais em uma gigantesca e apavorante Ilha do Dr. Mureau. Foda-se Dorian Gray. Eu sou bem mais as rugas de Hemingway.

Nota do Editor
Mário Bortolotto é dramaturgo. Este texto, reproduzido aqui com sua autorização, foi originalmente publicado em seu blog Atire no Dramaturgo.

Antes da noite chegar

Há um tempo atrás escrevi aqui que tinha saudades do moleque fodão que eu era. E foi sincero. Mas de uns tempos pra cá tô sentindo orgulho do homem que sou. Acho que foi depois que li o belo auto-retrato do Pinduca (troço bonito pra caralho – leiam lá no blog dele, no post do dia 02 de Julho). Posso até ser um babaca pra muita gente, mas eu sinto orgulho de mim e é isso que basta. Voltei a andar de cabeça erguida e escolher a música que vai na minha trilha sonora. E sofro as conseqüências por isso. E quer saber? Acho que o homem tem direito a tristeza, mas sinto um profundo desprezo por homem desesperado e bunda mole. Acho que as pessoas têm direito a farejar a sorte, mas ninguém deve implorar por ela. Sou um cara desgraçadamente tenaz. Sempre fui. Mas teve vezes que vacilei. Então agora reavalio depois de oito doses de whisky e percebo apesar do vento frio e da sensação total de abandono o náufrago resgatado que sou. Moro sozinho numa kitchenete e durmo numa rede. Na maior parte do tempo, sou um cara triste pra caralho, mas não vou ficar me lamentando e nem tomar antidepressivos por isso. Escrevo como um psicopata e bebo como um camelo que fugiu do inferno, mas é assim que me posiciono diante da vida. Não espero muito mais dela, mas ando por aí ouvindo “Like a Rolling Stone” na versão Hendrix. Tenho uma filha linda que eu adoro (embora não demonstre muito) e que vejo muito pouco, mas ela é minha filha. Sei que não sou um pai exemplar, mas acho que ela gosta de mim, mesmo assim. Ela já sacou até onde posso ir. Queria que outras pessoas que amo também percebessem isso, mas já desisti de querer demais. Tenho alguns amigos bacanas e alguns inimigos fiéis, e o que o mais um homem pode querer? Contemplo demoradamente as lombadas dos livros, escolho o inimigo e até hesito na hora de sacar. Não quero verdadeiramente machucar ninguém. Tem momentos que eu quero mais é que se foda, mas eu continuo aqui num canto seguro do balcão. Ando fugindo de encrenca e deixo os malas vibrarem ao matarem as duas primeiras bolas de saída. O jogo não acabou e eles não fazem idéia do que vai acontecer com eles. Continuo não evoluindo espiritualmente, simplesmente porque acho isso uma puta babaquice. Os demônios estão arranhando a minha porta e eu resmungo o meu arremedo de “não me enche o saco”. Ninguém pode fazer mais nada por mim, mas quem disse que eu tô pedindo ajuda?
E só pra terminar, por uma simples questão de gosto pessoal
Prefiro Bukowski a Grotowski
E Xico Sá a Chico Sciense.
Não sou o cara mais simpático do mundo, mas desejo a todos uma boa noite. Ela tá chegando.


Escrito por Mário Bortolotto

sábado, setembro 29, 2007

Meu coração está em paz

Meu coração está em paz.

O que ficou foi o medo.

O cansaço.

A dor.

A saudade.

Mas isso orbita em volta dele.

Não dentro.

Lá, no meio, o nada.

Sangue, artérias e os movimentos de sístole, diástole que não cessam.

Nem se eu pedir muito.

Com jeitinho.

Vomito em carrosséis, desculpe.

Não segurei tanta coisa.

Todo mundo avisou.

Mas unanimidades jamais me chamaram atenção.

E nunca gostei de marionetes.

De novo?

Fiz.Ppronto. Foda-se.

É que São Jorge é ocupadíssimo meu amor.

E eu estava muito disposta a matar cinco ou nove dragões contigo.

Dez dias longos sem escrever. Com noites de insônia no meio.

Vou ficar bem, estou bem.

Sobrevivo em qualquer situação, sabes.

Sei colocar um pé depois do outro.

E respirar.

Só não aprendi a tirar o sutiã com apenas uma mão.

Mas eu chego lá.

Ainda não concordo.

Mas respeito.

Embora seja triste.

Mamãe diz: isso passa. Em gurias bonitas. Passa mais rápido.

Papai quase concorda: passa. Mas vai te devastar.

Quando o moço chegou com flores e chocolates, sorri.

“Se tu sorrir três vezes, o que tu mais quer acontece.” Ele falou, sério.

Sorri três, seis, nove.

Aconteceu.

Com pequenos erros de atores e cenário.

Talvez eu devesse ter parado no terceiro e esperado.

Meus 25 anos têm pressa de felicidade.

Talvez por isso, esperar o tempo certo é uma tortura lenta.

Tempo, aliás, é Saturno, soturno que rege o signo de capricórnio.

Acho graça.

Nada é coincidência.

Quanta descoberta para pouca vida, não?

Como te disse, não direi mais teu nome.

Vou acender incensos e velas de sete dias.

Que Oxum, que é uma deusa dourada e de hálito doce, nos proteja.

Que Yemanjá nos tire de dentro da água.

Vivos.

Falando nisso, se doer - e vai doer- , lembra da oração de criança.

“Santo anjo do senhor, meu zeloso guardador. Se ele a ti me confiou, me guarda, me rege, me protege. Agora e sempre, amém.”

No mais, boa sorte pra nós dois.

Que os gatos estão no sol.

*Agradeço à mais amiga pelo acompanhamento e digitação do fim.

Cristiane Lisboa

Algumas pessoas

Algumas pessoas acabam se encontrando. E é como se conhecessem desde sempre. Algumas pessoas desistiram de botar suas fichas na máquina e choram assistindo People and Arts de madrugada. E cultivam milhões de novidades pra dizer umas às outras. Algumas pessoas "jogaram fora o guardanapo pra comer com a mão". Fazer o quê. Algumas pessoas decidiram se sofisticar. E produzem coisas importantes. E detestam o trabalho solo do Frejat. Algumas pessoas espremem o cérebro e se divertem. E bolam apelidos engraçados pras pessoas. E nutrem idéias mirabolantes. E seus sonhos grisalhos. E seus blogs sangrando. Algumas pessoas são capazes de elogios desconcertantes. E nunca esquecem o final da piada. E citam cenas inteiras de seus filmes preferidos. E racham garrafas de conhaque só pra assistir ao show dos Bêbados Habilidosos. Que resolveram tocar suas ilíadas vagabundas quase clandestinamente. Assim. Apenas pra algumas pessoas. Que riem de si mesmas como se rezassem. Que insistem em recolher as peças só pra espalhá-las de novo. Algumas pessoas que construíram isso como operárias do próprio privilégio. Que custa caro. As coisas que importam. E as que não se explicam. Algumas pessoas se debatem pra não descuidar da defesa mas desde há muito descobriram que só sabem jogar no ataque. E permanecem saudavelmente inquietas mesmo se o time estiver ganhando. Algumas pessoas se emocionam. E deixam o melhor do seu abandono em cada abraço que fica. Algumas pessoas realmente direcionaram suas vidas. E subiram nos ombros dos seus ídolos e dos seus medos pra poder enxergar depois do muro. Só pra ver aonde a bola caiu. E continuar brincando. Desfrutar desse indescritível prazer que é chutá-la mais longe.

Marcelo Montenegro

Perca peso, fique rico, seja feliz

Eu quero a sorte de um amor tranqüilo, com o sabor que a moça puder oferecer, um tanto de vertigem entre a pálpebra e a morenice dos olhos, desses que dá vontade de mergulhar e nunca mais voltar à superfície para respirar, afinal, o estado de torpor a que o corpo acostuma-se aos poucos quando se percebe afogado é confortável.

E o caos do mundo tomando tudo de assalto, mesmo com as janelas fechadas, o barulho de tudo que explode lá fora. Meia hora do mais genuíno desespero de simplesmente não saber o que fazer da vida e de tanta cobrança, não tendo para quem discar, o timbre monótono da chamada em espera e que nunca será retornada.

É isto: querer a realidade com seus dedos de unhas grandes e sujas, que volta e meia infecciona as nossas feridas guardadas sob os esparadrapos ou adormecidas pela quantidade sempre avante de paraísos químicos, alterados e à frente do que possamos chamar de tédio, afinal é esse o alvo que precisa ser exterminado, mas enfim, ele é um gato de sete mil vidas. A vida, sem tirar nem pôr. A vida, você me entende?

Talvez tenha sido isso que a moça de sorriso bonito - dentes brancos a ponto de deixar em quem os fita a vontade de arrancá-los todos e fazer um colar para exibir no peito - não tenha entendido. Querer a vida, com seus atropelos e agonias, a morte respirando quente na nossa nuca todos os dia. Eu quero isso.

O diabetes em tempo de estourar, como o mercúrio do termômetro que mede o calor de asfalto ao meio dia no centro da cidade. A grana curta de uma ou duas faturas pagas e das outras três em atraso e os juros devorando até o tecido fino dos bolsos. Tristeza no seu estado primitivo, embrutecendo os ânimos, o desamor consumindo tudo e alimentando a barba que não pára de crescer. Nada disso ela entendeu. O seu argumento era em planilhas, de peso e dinheiro, escalas inversamente proporcionais. Emagreceu e ficou rica. Desculpa, não quero.

As palavras bem articuladas e devidamente montadas como um jogo de xadrez onde sua mente de tanta informação a ser absorvida em tão pouco tempo fatalmente perderá por xeque-mate, só conseguiam oferecer o paraíso. Não quero, me acostumei ao calor. Não quero emagrecer, nem vou te perguntar como. Não quero uma renda extra para reforçar o orçamento. Não, desculpa, só posso te oferecer solidão com vista para o mar em troca. Interessa?

Que o mundo me livre de outro mundo de pessoas magras, felizes e ricas, do falso aconchego de mais uma “família” moldada pelo interesse comum de estourar a conta com tanta grana e compartilhar o contra-cheque miserável do último emprego, exposto como um demônio exorcizado pelas fotos de tantas viagens ao redor do mundo. Não quero, não posso, é da minha natureza. Desculpa moça, a Herbalife não me interessa.

Rodrigo Levino